Publicado em 20/09/2016

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Lobos solitários ou alcateia digital?


As recentes bombas caseiras em Nova York e Nova Jersey e o esfaqueamento no shopiing center em St. Cloud, no estado americano de Minnesota, levantam uma das questões mais sensíveis no combate ao terror: a ideia dos “lobos solitários”, terroristas que se radicalizam por meio da internet e promovem atentados por iniciativa própria, sem conexão aparente com a liderança de movimentos como Al Qaeda ou Estado Islâmico. A questão se mostra relevante também para entender os desdobramentos da operação Hashtag, que denunciou ontem os primeiros oito acusados de terrorismo no Brasil, acusados de planejar atentados durante a Olimpíada do Rio de Janeiro.

O principal suspeito de armar a bomba caseira que explodiu sábado à noite em Manhattan, Ahmad Rahami (foto), foi capturado ontem em Linden, Nova Jérsei. É um cidadão americano muçulmano, nascido no Afeganistão, que se tornara mais devoto após uma viagem ao país natal em 2011. Recentemente, passara quase um ano em Quetta, cidade conhecida por abrigar diversos grupos radicais. Não há, até o momento, nenhuma prova de que tenha agido por instrução do comando de algum deles.

O EI reivindicou em comunicado o atentado promovido pelo estudante somali Dahir Adan, que esfaqueou nove pessoas em Minnesota, antes de ser alvejado e morto pela polícia. Até o momento, as investigações foram incapazes de esclarecer se houve algum tipo de ordem direta ou auxílio do grupo terrorista ou se Adan agiu por conta própria – como aparentemente fizeram o casal que promoveu no ano passado o atentado em San Bernardino, na Califórnia, ou Omar Mateen, responsável pelo massacre na boate gay em Orlando, na Flórida.

O EI assumiu todos esses últimos ataques, segundo a estratégia formulada em setembro de 2014 por seu até há pouco “porta-voz” Abu Muhammad al-Adnani (ele morreu em ataque recente a bases do EI): “Se você puder matar um infiel americano ou europeu – especialmente os desprezíveis franceses – ou um australiano, ou um canadense, ou qualquer outro infiel dos infieis que guerreiam, inclusive os cidaddãos dos países que entraram na coalizão contra o Estado Islâmico, então confie em Alá, e mate de qualquer maneira ou jeito possível. Não peça conselho de ninguém, nem procure o veredicto de ninguém. Mate o infiel, seja ele civil ou militar”.

É evidente que o EI incita os ataques no Ocidente. Mas até que ponto ele os comanda? Até que ponto se aproveita da ação de radicais locais seduzidos por sua ideologia mortífera para alimentar sua máquina de propaganda e transmitir uma impressão de ser mais forte do que é na realidade? Nesse caso, o que seria possível fazer para evitar a ação dos tais “lobos solitários”?

Do ponto de vista das vítimas, é irrelevante o grau de isolamento de quem cometeu os ataques. Um terrorista apenas “incentivado” pelo EI é tão letal quanto aquele que recebe ordens e age sob o comando da liderança do movimento – como no caso dos atentados de Paris e Bruxelas. Terroristas não se tornam um problema menor apenas por ter agido por iniciativa própria. Ao contrário.

Os pesquisadores Thomas Hegghammer e Petter Nesser classificaram, num estudo de 69 ataques associados ao “terror islâmico” cometidos em solo europeu, os atentados em seis tipos – daqueles com treinamento no Oriente Médio e instruções recebidas do alto comando do EI (nível 1), até os que envolvem apenas a simpatia, sem nenhum contato com a liderança da organização (nível 6).

Mesmo nos atentados com a conexão mais tênue, o papel do EI não é desprezível. Com sua máquina de propaganda e incentivo à ação individual dos “lobos solitários”, o grupo terrorista criou uma nova modalidade de ataque. Não arca com o custo de planejamento e execução – mas obtém os mesmos benefícios desejados de propaganda para sua causa, pois os atentados recebem o mesmo tipo de repercussão. Basta assumi-los e propagandear os feitos dos jihadistas nas redes sociais, com base na estratégia formulada por Al-Adnani.

“A natureza da radicalização e o planejamento operacional na Era Digital complicou os esforços de interpretar e analisar os ataques cometidos por indivíduos sozinhos”, escrevem os analistas Daveed Gartenstein-Ross e Nathaniel Barr em artigo. A radicalização, que antes acontecia em mesquitas e redes subterrâneas de recrutamento, hoje se dá pelas redes sociais. “Não faz sentido aplicar o pensamento anterior à Era Digital a ataques jihadistas perpretados em tempos de Twitter, Telegram e criptografia ponto-a-ponto”, dizem.

Há uma tendência, afirmam eles, a subestimar as redes jihadistas no Ocidente ao classificar atentados como ação de “lobos solitários”. As autoridades fariam bem se, em vez de procurar diminuir o risco do terrorismo tentando atribuí-lo a atores de pequeno relevo, tentassem entender como, por meio das redes sociais, cada um desses lobos se relaciona numa gigantesca alcateia global, que nos ameaça cada vez mais.



g1.globo.com

Helio Gurovitz