Publicado em 23/11/2016

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Falta de leito levou hospital a recusar mulher picada por cobra, diz defesa

Em depoimento, funcionárias da Santa Casa de Franca negaram omissão. Marido diz que advogada não foi atendida porque tinha plano de saúde.

Maria José foi levada até a Santa Casa de Franca, SP, mas teve soro negado, diz marido


A Polícia Civil ouviu nesta terça-feira (22) os depoimentos da recepcionista e da enfermeira de plantão na Santa Casa de Franca (SP) que fizeram o primeiro contato com a advogada Maria José de Almeida, morta no fim de outubro após ser mordida por uma cobra. Segundo o advogado das funcionárias, o atendimento médico foi recusado na primeira vez em que ela buscou ajuda porque não havia leito disponível na instituição.

A informação contraria o depoimento do marido da vítima, o juiz aposentado Nilton Messias de Almeida. Segundo ele, a enfermeira afirmou que Maria José não poderia ser atendida na unidade porque tinha plano de saúde.

A vítima só recebeu o soro antiofídico na Santa Casa após percorrer outras duas unidades de saúde em busca do medicamento. De acordo com Almeida, três horas se passaram do momento em que a mulher foi mordida até a aplicação do antídoto.

O caso é investigado por suposta omissão de socorro da Santa Casa à paciente. De acordo com o delegado Luiz Carlos da Silva, se o crime for comprovado, os responsáveis deverão responder por homicídio.

Primeiro atendimento negado
Nesta terça-feira, as funcionárias falaram por pouco mais de uma hora ao delegado e não quiseram gravar entrevista. Silva esclareceu que o hospital não prestou o primeiro atendimento quando o casal procurou ajuda para que Maria José recebesse o soro antiofídico.

“No primeiro momento não houve atendimento, quanto a isso não existe dúvida. Dúvida existe com relação ao motivo que eles foram dispensados, se foi realmente por falta de vaga ou razões do plano de saúde existente, mas o atendimento não houve. Isso está devidamente comprovado.”

De acordo com o advogado Sérgio Valletta Belfort, as funcionárias declararam que Maria José foi dispensada porque não havia leito disponível, mas que o marido foi orientado a buscar atendimento no Hospital do Coração.

“Elas relataram que chegou um senhor na portaria falando que a mulher tinha sofrido uma picada de cobra. Foram tomados os procedimentos dentro da Santa Casa, não havia leito naquele momento. Depois dos procedimentos eles foram até o Hospital do Coração, depois pro Janjão e depois do Janjão retornaram à Santa Casa, porque já havia a possibilidade de leito. Foi só isso que ocorreu”, afirmou Valletta.

Ainda segundo Belfort, a recepcionista e a enfermeira não cometeram nenhum erro no atendimento. Ele também afirmou que, como a vítima foi atacada pelo animal em uma propriedade em Patrocínio Paulista, o marido poderia ter buscado atendimento na Santa Casa da cidade.

“Se a família tivesse procurado Patrocínio Paulista, seria atendida com o soro lá, se tivesse vaga”, disse.

Depoimentos de médicos
O delegado também ouviu os depoimentos do médico do pronto-socorro Álvaro Azzuz, que encaminhou Maria José de volta à Santa Casa, e do médico do Hospital Regional, para onde a paciente foi levada após entrar em coma.

“O médico do PS disse que recebeu a vítima e que o esposo disse que o atendimento foi negado nos dois hospitais que passaram primeiramente, Santa Casa e do Coração. Naquele momento, prescreveu e ministrou a medicação necessária até que houvesse o encaminhamento da vítima de volta para a Santa Casa.”

À polícia, o funcionário do Hospital Regional, que atendeu Maria José depois que o quadro dela se agravou na Santa Casa, afirmou que a paciente estava em estado de coma irreversível.

Pelo menos 15 testemunhas serão ouvidas  até o fim do inquérito.

Entenda o caso
A advogada de 69 anos foi mordida por uma cobra, uma jararaca, no dia 26 de outubro, quando seguia para a capela da fazenda da família, em Patrocínio Paulista.

O marido diz ter recebido orientações do médico da família para levar a mulher até a Santa Casa de Franca, único hospital da cidade habilitado a fazer a aplicação do soro antiofídico. Almeida afirma, no entanto, que recebeu uma informação da enfermeira-chefe de plantão, de que ela não poderia ser atendida no local porque tinha plano de saúde.

“Eu ponderei que a vacina era de graça e não dependia de convênio médico. Ela [enfermeira] respondeu que eles mandariam a vacina para o Hospital do Coração gratuitamente”, afirma.

O juiz seguiu para o Hospital do Coração, mas o atendimento também não foi feito porque a unidade não tinha o soro e alegou que a Santa Casa não havia encaminhado nenhum medicamento.

Segundo o juiz, eles seguiram para o pronto-socorro Álvaro Azzuz na terceira tentativa de receber o soro, mas o casal foi encaminhado de novo à Santa Casa. Maria José recebeu o soro três horas após ser mordida, mas não reagiu. Ela entrou em coma, foi transferida para o Hospital Regional, e não resistiu.

Em nota, a Santa Casa alegou que a mulher deveria ter procurado atendimento na Santa Casa de Patrocínio Paulista (SP), instituição mais próxima ao local onde aconteceu o ataque da cobra.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) abriu uma sindicância em Franca para apurar se houve falha no atendimento prestado.

g1.globo.com