Publicado em 24/03/2017
Pesquisa aponta presença de salmonela mais invasiva e mais resistente no Brasil
Cientistas identificaram nove amostras de ST313, a primeira isolada em 1989. Bactéria cai na corrente sanguínea e pode provocar infecção, aumentando o risco de morte.
Pesquisa foi realizada por cientistas brasileiros e norte-americanos.
Uma pesquisa publicada na última edição da revista
“Infection, Genetics and Evolution” revela a presença de um subtipo mais
invasivo e mais patogênico de salmonela no Brasil. Até hoje, o ST313, como é
chamado, havia sido registrado quase exclusivamente na África Subsaariana.
Ao contrário de outros subtipos de Salmonella enterica
sorovariedade Typhimirium, que provocam gastroenterite, com febre, náuseas,
vômito e diarreia, essa variação da bactéria consegue quebrar a barreira
gastrointestinal e cair na corrente sanguínea, provocando infecção. Estudos
anteriores com pacientes africanos apontam que a taxa de mortalidade com o
ST313 é de mais de 25%.
“Esse achado é filogeneticamente importante e extremamente
interressante, porém muito preocupante em termos de saúde pública", avalia
Cristiano Gallina Moreira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de
Araraquara (FCF-Unesp) e um dos autores do estudo, uma parceria entre
cientistas da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), do Instituto Adolfo Lutz de Ribeirão
Preto, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Food and Drug
Administration, dos Estados Unidos.
Circulação silenciosa
O artigo publicado, intitulado “Multilocus Sequence Typing
of Salmonella Typhimurium reveals the presence of the highly invasive ST313 in
Brazil”, aponta a presença do ST313 em nove das 88 amostras analisadas.
Foram estudadas amostras isoladas entre 1983 e 2013,
provenientes de São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do
Sul, Goiás, Paraná e Bahia, e todas com a presença do ST313 são de São Paulo. A
primeira unidade com o subtipo data de 1989. Também há registros de 1990, 1993,
1995, 1996, 1998, 2000 e 2003, retirados de fezes humanas, salsicha de porco
crua, alface e sangue.
“Se considerarmos a amostra isolada no ano 2000, por
exemplo, são 17 anos até sua identificação e descrição científica”, diz
Cristiano sobre a demora para identificar o subtipo no país, problema que para
o grupo pode estar relacionado à não obrigatoriedade de notificação de casos de
Salmonella no Brasil.
Atualmente, episódios isolados não precisam ser comunicados,
apenas surtos alimentares. Por conta disso, há poucos dados disponíveis para
análise e o acesso a eles é difícil. "Muitos casos esporádicos,
infelizmente, passam despercebidos, sem sua devida identificação”, alerta o
pesquisador.
Outro problema da falta de notificação, segundo os
pesquisadores, é o uso indiscriminado de antibióticos de amplo espectro contra
diferentes linhagens bacterianas. Durante um período a medicação funciona, mas,
com o passar do tempo, os organismos unicelularesse tornam resistentes e o
remédio pode deixar de surtir efeito. Nesse cenário, a situação sai do controle
antes que os centros de pesquisa consigam concluir de que forma a bactéria atua
especificamente.
Trabalho em equipe
A pesquisa surgiu da tese de doutorado defendida por Fernanda Almeida na USP de Ribeirão Preto em 2016 e cada grupo de cientistas ficou responsável por uma área. A equipe coordenada pela professora Juliana Pfrimer Falcão reuniu, identificou e tipou molecularmente as amostras, além de estudar o viés epidemiológico das linhagens. Já Cristiano e o doutorando Patrick da Silva pesquisaram a patogenicidade das bactérias, os mecanismos pelos quais elas provocam doenças.
Em Araraquara, grupo pesquisou a patogenicidade das bactérias.
“Fizemos o ensaio de invasão, para avaliar o processo de
invasão em células epiteliais, e o ensaio de sobrevivência em macrófago, para
verificar como ela consegue se defender”, explica Patrick.
No primeiro teste, os pesquisadores analisaram os resultados
após 90 minutos de interação entre as bactérias e as células in vitro e, no
segundo, verificaram a capacidade de sobrevivência das bactérias durante três
horas dentro de células capazes de englobar agentes estranhos. Com as análises,
eles descobriram que o ST313 é mais invasivo que outros subtipos e seus níveis
de replicação são maiores.