Publicado em 04/04/2017

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Sem resultados de eficácia, pesquisa com 'pílula do câncer' é suspensa

Icesp foi a 1ª instituição a realizar testes da fosfoetanolamina em humanos; dos 72 pacientes que participaram do estudo, só um apresentou benefício


A distribuição da fosfoetanolamina sintética foi iniciada há cerca de 20 anos pelo pesquisador Gilberto Chierice, da USP de São Carlos


Sem apresentar resultados significativos de eficácia, a pesquisa clínica com a fosfoetanolamina sintética, mais conhecida como “pílula do câncer”, foi suspensa pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), a primeira instituição a realizar testes da substância em humanos.


Iniciado em julho do ano passado, o estudo havia incluído 72 pacientes com dez diferentes tipos de câncer, dos quais 59 já passaram por reavaliação para a evolução da doença. Apenas um paciente (com diagnóstico de melanoma), no entanto, teve redução do tumor.


“É um número muito ruim, considerando a expectativa que havia ao redor do produto. Neste momento, nós avaliamos que não seria eticamente recomendável manter a inclusão de pacientes em um estudo cujos resultados estão muito aquém do esperado”, disse Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp e líder da pesquisa, nesta sexta. “Torcíamos pelos bons resultados, mas o compromisso maior é com a ciência”, completou o secretário estadual da Saúde, David Uip.


Pelo protocolo inicial, a pesquisa do Icesp seria em três fases: na primeira, a fosfoetanolamina foi dada a apenas dez pacientes para que fosse avaliada a toxicidade. A substância foi considerada segura e os testes seguiram para a fase 2, quando seriam incluídos 21 pacientes de cada um dos dez tipos de tumor (cabeça e pescoço, pulmão, mama, cólon e reto, colo uterino, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado), totalizando 210 voluntários, todos com a doença em estágio avançados. Se, nessa fase, pelo menos dois pacientes de cada grupo tivessem redução do tumor, a pesquisa seguiria para a terceira, na qual mais 800 seriam incluídos.


Segundo Hoff, no entanto, já no primeiro grupo que atingiu os 21 pacientes - o de câncer colorretal -, ninguém teve melhora, fato apontado como uma das razões para a suspensão da pesquisa. Hoff esclareceu que, a partir de agora, apenas 20 pacientes do grupo inicial continuarão recebendo as cápsulas porque ainda precisam passar por novas avaliações. “Mas vamos estudar o que está acontecendo. Se é viável pensar em continuação apenas para os pacientes com melanoma ou não. Isso ainda vai ser decidido.” Em agosto, estudos feitos em camundongos pelo Ministério da Saúde já apontavam para redução de melanomas, mas em valores inferiores aos obtidos com quimioterápicos já usados.


Presente no Icesp, a médica Regina Monteiro fez críticas à suspensão dos testes. Ela foi uma das indicadas pelo químico Gilberto Chierice, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos que criou a fosfoetanolamina, para acompanhar a pesquisa. “O método estatístico não dá conta de um estudo mais completo. É preciso ampliar o trabalho”, afirmou, sem detalhar a metodologia a ser adotada.


Presidente do Instituto Viva Fosfo, que representa pacientes que utilizam a substância, Bernadete Cioffi afirmou que apoia a suspensão, pois acredita que o protocolo da pesquisa deva ser alterado. “O Icesp estava dando aos pacientes três cápsulas no mesmo horário, mas isso prejudica a absorção. Nesse formato, o estudo estava fadado ao fracasso mesmo. Nós, que já usamos há anos, costumamos tomar em períodos diferentes do dia”, afirmou.


Coordenadora de oncologia clínica do Icesp e uma das integrantes do estudo, Maria del Pilar Estevez afirma que o trabalho foi desenhado em conjunto com o grupo de Chierice e não há “nenhum elemento científico que aponte que os resultados foram negativos por causa do formato de administração”.


Polêmica. A fosfoetanolamina foi distribuída gratuitamente pelo Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo até 2014. Depois, para manter o recebimento, pacientes entraram com ações judiciais. O tema motivou até a aprovação de uma lei no Congresso e na sequência houve veto ao uso do composto no País pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - o que barrou mais de mil ações que tramitavam na Justiça.


Grupo a favor da substância contesta fórmula utilizada

“Nossa luta foi sempre pela fosfo da USP e não pela fosfo da PDT. Não sabemos qual substância sai do processo industrial usado na PDT”, disse Giseli dos Santos, administradora do grupo Lutamos pela Fosfo da USP na rede social Facebook. Segundo ela, muitos pacientes esperavam por essa decisão do Icesp “porque a maioria deles já percebeu que não são substâncias idênticas.”


A polêmica vem desde o início dos testes. Após a grande procura e com o avanço da judicialização, os estoques da substância existentes em um laboratório da USP em São Carlos foram esgotados. Para os testes atuais, que começaram no primeiro semestre de 2016, o Instituto do Câncer recebeu da Fundação para o Remédio Popular (Furp), laboratório oficial da Secretaria da Saúde do Estado, cápsulas da substância em quantidade suficiente para realizar a pesquisa. A sintetização da fosfo foi feita pelo laboratório PDT Pharma, em Cravinhos, no interior paulista. 


Segundo a advogada Danielle Maximovitz Bordinhon, ao menos 23 clientes que tiveram liminares concedidas e usaram a pílula testada pelo Icesp tiveram piora ou faleceram. Vários grupos defendem a retomada da produção pela USP, que determinou a suspensão da produção.


A Secretaria de Estado da Saúde informou que a PDT Pharma foi indicada diretamente pelo pesquisador Gilberto Chierice, que, segundo o Icesp, também está acompanhando os testes. A PDT Pharma e o pesquisador não retornaram os contatos. 

estadao.com.br

Fabiana Cambricoli