Publicado em 10/08/2016
Zika leva a deformidade nas juntas, diz estudo de cientistas brasileiros
Bebês que nasceram com a infecção em Pernambuco desenvolveram a artrogripose; pesquisa foi publicada na revista científica 'BMJ'
Para Vanessa, pesquisa ajudará a entender melhor os sintomas do vírus
SÃO PAULO - Um novo
estudo desenvolvido por cientistas brasileiros descreveu pela primeira vez com
detalhes como a infecção por zika em mulheres grávidas faz com que os bebês
desenvolvam artrogripose, síndrome que provoca graves deformidades nas
articulações, especialmente em braços e pernas. A pesquisa, publicada na
revista científica BMJ, analisou sete bebês que nasceram em
Pernambuco com infecção por zika.
De acordo com a autora principal do estudo, Vanessa Van Der
Linden, neuropediatra do Hospital Barão de Lucena, no Recife, a análise mostrou
que a artrogripose dos bebês não está relacionada a anomalias específicas das
articulações, mas tem origem neurogênica, isto é, ligada ao processo de
formação dos neurônios.
“Dois estudos anteriores, feitos no Rio Grande
do Sul e no Rio de Janeiro, já haviam identificado três pacientes com zika e artrogripose,
levantado a possibilidade de que a má-formação também estivesse ligada à
infecção pelo vírus. Mas até agora nenhum trabalho havia descrito as
deformidades em detalhes nem investigado se ela tem origem neurogênica”, disse
Vanessa ao Estado.
Segundo a pesquisadora, a artrogripose pode estar relacionada a
várias causas e é diagnosticada quando há deformidades em articulações em pelo
menos duas partes diferentes do corpo. Para estabelecer a relação com a zika,
os cientistas excluíram todas as outras possíveis causas da má-formação, usando
exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética.
“Fizemos estudos detalhados dos cérebros e das articulações de
sete crianças com artrogripose e diagnóstico de infecção congênita por zika.
Nenhuma delas apresentava alguma das demais causas desse tipo de deformidade
congênita”, disse.
Microcefalia. Seis das
sete crianças tinham microcefalia e todas apresentavam sinais de calcificação
no cérebro, problema causado pelo acúmulo de cálcio nos tecidos cerebrais.
Segundo Vanessa, a hipótese é de que o vírus da zika destrói células do
cérebro, formando lesões semelhantes a “cicatrizes”, onde o cálcio é
depositado.
Ao observar as imagens de alta definição das articulações e dos
tecidos próximos, os cientistas descobriram que não havia anomalias na parte
óssea nem nos ligamentos. “Isso nos levou a concluir que a artrogripose tinha
origem na parte neurológica. Por isso, fomos investigar”, afirmou Vanessa.
A principal hipótese é de que a má-formação seja produzida por um
processo que envolve os neurônios motores – as células cerebrais que controlam
a contração e o relaxamento dos músculos –, levando a posturas fixas no útero
que provocarim as deformidades. “Observamos também que quatro crianças
apresentavam uma medula espinhal mais fina do que o normal e danos cerebrais,
mostrando que realmente existe uma associação entre a artrogripose e as
consequências neurológicas da infecção por zika”, disse a pesquisadora.
Segundo Vanessa, o estudo ajudará a entender melhor os sintomas
provocados pelo vírus zika, o que contribuirá para entender seus mecanismos de
infecção. Os cientistas recomendam na pesquisa que a síndrome da zika congênita
seja acrescentada ao diagnóstico diferencial de infecções congênitas e de
artrogripose.
O fato de um dos bebês não ter microcefalia também é relevante, segundo Vanessa. “Isso nos levou a concluir que não há uma correlação necessária entre a gravidade da infecção por zika, uma vez que o caso de uma das crianças não era grave, com a artrogripose.”