Publicado em 15/08/2016
Os riscos do Pokémon GO
Recém-lançado no Brasil, jogo para caçar os monstrinhos do desenho dos anos 1990 faz usuários colarem os olhos nos celulares e se esquecerem da vida real. E isso vem causando algumas tragédias
Um bando de jovens caminha com a cabeça abaixada, celular na
mão, olhos vidrados na tela, como se estivessem sendo guiados pelo aparelho.
Tropeçam na calçada, esbarram em alguém. Levantam a cabeça rapidamente para
olhar ao redor, mas logo voltam a se concentrar em seus respectivos
smartphones, fazendo os desavisados franzirem a testa.
É o apocalipse zumbi na
era da tecnologia? Não, é a avenida Paulista na noite de quarta-feira 3, dia do
lançamento do Pokémon GO no Brasil. Um dos locais mais movimentados da maior
cidade do País foi tomado desde então por caçadores dos monstrinhos que fizeram
sucesso na década de 1990 e estão de volta à moda por causa do aplicativo.
A
mesma cena tem se repetido não só em outros pontos, como parques, escolas e até
cemitérios, mas também na maioria das cidades brasileiras onde existe pelo
menos um adulto que assistia ao desenho quando era criança. A diferença é que
agora os bichinhos são inseridos no mundo real, já que a partir da câmera do
celular aparecem para o jogador como se estivessem na frente dele.
A graça da
brincadeira, porém, é também a maior ameaça. Imersos em uma realidade virtual,
os usuários deixam de prestar atenção no entorno e às interações humanas reais
e se colocam vulneráveis a acidentes, além de acentuarem um dos grandes males
do mundo moderno, o vício nos smartphones.
O jogo virtual que está seduzindo
crianças, adolescentes e adultos é um risco real à segurança das pessoas, além
de ser um instrumento de desagregação social, uma vez que aliena ainda mais os
já dispersos usuários de dispositivos móveis. “No hospital em que trabalho,
colocaram um alerta para que as pessoas não cacem Pokémons ali”, diz o
psiquiatra Diego Tavares, da Universidade de São Paulo (USP). “Tem gente que
joga enquanto está dirigindo, no trabalho. As pessoas não entenderam quais são
os limites da brincadeira e a estão usando de maneira inadequada.”
Acidentes e crimes
O publicitário Hilário Júnior, 32 anos, teve que entender na marra. Saiu de uma
loja com um celular novo na tarde do dia 3 e à noite, na avenida Paulista
jogando, foi furtado. “Estava caçando o Zubat, um Pokémon morcego. Segurava o
aparelho com uma só mão, um rapaz de bicicleta passou e levou. Tenho seguro,
mas é uma dor de cabeça”, diz. Fã do desenho desde quando passava na televisão,
Júnior não pretende desistir do jogo. “Mas vou usar em horários menos visados.
Na hora que me roubaram, havia muita gente por perto. E nas próximas vezes
também prestarei mais atenção ao entorno.” O publicitário conta que um amigo
chegou a cair de uma escada, entretido que estava com os monstrinhos. “Não
podemos deixar de aproveitar a cidade. É legal cruzar com as pessoas na rua e
falar sobre o jogo, é uma forma de socializar. Mas é preciso tomar cuidado.”
“Na hora que roubaram meu celular, havia muita gente por perto. Vou continuar jogando, mas em horários menos visados” – Hilário Júnior, publicitário, 32 anos
Nos países onde o aplicativo foi lançado antes de chegar ao
Brasil, uma série de tragédias já foram relatadas. Em Baltimore, nos Estados
Unidos, um homem em alta velocidade bateu em uma viatura de polícia parada.
Na
Guatemala, um rapaz de 18 anos foi morto em uma tentativa de roubo, e a polícia
suspeita de que se tratou de uma emboscada. No aplicativo, há os PokéStops, que
são pontos de referência do mundo real, onde o jogador pode conseguir objetos
que usará em suas caças. Para isso, é preciso chegar perto desses pontos.
Suspeita-se que os criminosos tenham usado o jogo para identificar esses
PokeStops e, assim, esperaram pela vítima a postos.
No Brasil, vários Estados
já estão se mobilizando para alertar os jogadores sobre os perigos do Pokémon
GO. Em Pernambuco, a Polícia Militar divulgou uma cartilha de orientações para
os usuários evitarem roubos e furtos. Já no Rio de Janeiro, o Departamento de
Trânsito (Detran-RJ) lançou uma campanha para alertar sobre os riscos de
acidentes nas ruas e pedir atenção aos pedestres e motoristas. São todos
cuidados óbvios, que já deviam ser seguidos por usuários de smartphones, mas
que precisam ser reiterados aos caçadores de Pokémons.
DESATENÇÃO Já foram relatados acidentes de trânsito causados por motoristas que caçavam Pokémons
Professor de Direito Digital da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, Renato Leite Monteiro explica que, ao entrarem no universo da
chamada realidade aumentada proporcionado pelo Pokémon GO, os jogadores podem
estar colocando em risco a segurança patrimonial e física. “Não vivemos em um
País seguro, a maioria das cidades brasileiras não é, então se forma uma horda
de pessoas de cabeça abaixada que andam por aí desprotegidas”, diz.
Monteiro
diz ainda que, nesses casos, a empresa dificilmente poderá ser responsabilizada
judicialmente pelos acidentes, uma vez que toma as devidas precauções, como
avisar no começo de jogo que é preciso estar consciente do que acontece em
volta. “Nesse caso, a culpa é exclusiva da vítima.” Mas o especialista ainda
alerta para outro inconveniente: o aplicativo tem acesso a diversas informações
pessoais do usuário e não se sabe exatamente o que é feito com esses dados.
Pode obter, por exemplo, os caminhos que a pessoa faz diariamente, onde mora ou
trabalha, já que funciona a partir da ativação do GPS do smartphone. “Dados de
localização podem ser usados para uma gama de finalidades”, afirma. “Há
empresas europeias investigando essa coleta de informações. Já o brasileiro
está mais vulnerável, pois aqui não há uma lei geral de proteção de dados
pessoais.”
MODA Grupo de pessoas jogando Pokémon GO em parque de São Paulo. Jogo já virou mania em várias cidades brasileiras
Para o psiquiatra da USP Diego Tavares, a obsessão brasileira
pelo Pokémon GO tem relação com a nostalgia dos adultos que, quando crianças
nos anos 1990, eram fissurados pelo desenho. “Significa reviver parte da
infância, mas interagindo com uma nova tecnologia”, diz.
O auxiliar
administrativo Lucas Fortunato, 21 anos, lista esse como um dos motivos que o
faz usar o intervalo das aulas na faculdade para caçar Pokémons em um parque
próximo. “Era fã do programa e gosto do jogo pela brincadeira”, diz ele. Na
opinião da psicoterapeuta Maura de Albanesi, o sucesso do aplicativo também tem
a ver com querer ser sempre jovem.
“Muitas pessoas mais velhas não admitem
ficar de fora dos lançamentos tecnológicos por causa disso. Então se
infantilizam, apesar da idade mais avançada.” Segundo Maura, se usado por uma
criança, o jogo pode estimular o desenvolvimento do aparato cognitivo e da
inteligência estratégica. “Mas os pais precisam ficar atentos para que o filho
não passe o tempo todo no celular. É preciso estimular outras atividades e a
relação com as pessoas”, afirma. Em contrapartida, para o público adulto,
Tavares não vê nenhum benefício real. “Não estimula nenhuma habilidade, como
raciocínio lógico ou capacidade de planejamento. Serve mais como passatempo.”
Além de não somar em nada para o desenvolvimento humano, se não forem tomados
os devidos cuidados, a aventura de procurar Pokémons ainda pode virar um grande
problema.