Publicado em 22/08/2016
'Enquanto você vive sua vida, essas crianças estão morrendo', diz autor de cartum viral sobre menino sírio
Conhecido pelo trabalho na Primavera Árabe, Khalid Albaih fez desenho simples que chamou a atenção do mundo para impacto das guerras sobre novas gerações.
Opções para as crianças sírias: 'se você ficar' e 'se você partir'; desenho usou imagens icônicas da guerra da Síria e da crise de refugiados para destacar impacto dos conflitos atuais.
Um cartum simples e chocante viralizou na internet nesta semana, após o
vídeo do menino sírio Omran Daqneesh rodar o mundo.
O desenho reúne as imagens de Omran, 5, e a do menino curdo Aylan, 3,
que há um ano apareceu morto em uma praia na Turquia e se tornou símbolo da
crise dos refugiados na Europa.
Acima dos desenhos, a frase "Opções para as crianças sírias".
Abaixo, em referência aos casos de Omran e Aylan: "Se você ficar" e
"Se você partir".
Idealizado pelo desenhista sudanês Khalid Albaih, o cartum foi
compartilhado por milhares de pessoas nas redes sociais, entre elas o ex-vice
presidente egípcio Mohamed El Baradei.
O trabalho de Albaih, que vive desde os 10 anos de idade no Catar,
depois que o pai se tornou refugiado político, se destacou durante os protestos
da Primavera Árabe em 2011.
"Eu trabalho muito com a crise dos refugiados e com o que está
acontecendo agora porque no final do dia eu também sou um refugiado. Entendo as
decisões deles, pois são decisões nas quais penso todos os dias quanto a meus
filhos", disse Albeih à BBC Brasil.
Khalid Albaih: 'Essa é a história de todas as outras crianças que morreram sem terem se tornado (tema) de um vídeo viral'
"Aylan e Omran têm a idade dos meus dois filhos. Sei exatamente
como é duro. Claro que não estou em uma zona de guerra, mas apenas o fato de
não estar em casa, de questionar onde é a minha casa, todas essas
questões."
Inspiração
A imagem de Omran, resgatado de um bombardeio em Aleppo, se tornou um novo
símbolo da guerra na Síria, que já dura cinco anos e matou centenas de milhares
de pessoas.
"Quando vi o vídeo (do resgate) me emocionei, como todo mundo.
Imediatamente me lembrei de Aylan, porque é a mesma história, mas em situações
diferentes. Graças a Deus Omran sobreviveu, mas como irá viver depois disso?
Essa é a história de todas as outras crianças que morreram sem terem se tornado
(tema) de um vídeo viral", afirmou.
Aylan Kurdi, encontrado morto em praia na Turquia
Ele diz que a imagem é importante para "humanizar esses meninos e
essas pessoas na Síria de novo". "Porque por certo tempo eles tinham
se tornado números: '107 morreram em Aleppo, 150 se afogaram'."
"Queria fazer essa conexão de que neste ano, enquanto você estava
vivendo sua vida, essas crianças estavam morrendo. E não são só essas duas
crianças. Há milhares de crianças e famílias que morreram ou estão vivendo um
inferno hoje. Não só na Síria, mas em todas as zonas de guerra, como Iêmen,
Sudão ou Líbia", acrescentou.
Nos últimos anos, com a crise dos refugiados e ataques terroristas na
Europa, cartuns, como o de Albeih, têm motivado debates e polêmicas
O menino Omran Daqneesh, de 5 anos, aguarda atendimento em uma ambulância, sujo de sangue e de poeira, após ser resgatado dentre escombros de um edifício alvo de um bombardeio aéreo em Aleppo, no norte da Síria. A cena causou comoção nas redes sociais
Arte e ação
Em 2015, a redação do semanário satírico francês Charles Hebdo foi atacada em
Paris por dois homens armados. Doze cartunistas morreram e 11 ficaram feridos
no atentado.
"Cartum é uma arte negativa, geralmente trabalhamos com notícias
negativas. Com as redes sociais e as notícias rápidas como agora, as pessoas só
se lembram de uma coisa. A memória é como a de um peixe, dura cinco minutos. As
pessoas só querem saber de notícias rápidas, como um fast food. E o cartum é
parte disso, sempre foi. A arte espalha a mensagem com mais facilidade",
disse Albeih.
Para ele, o trabalho do cartunista "não é sempre ser engraçado".
"É também tornar desconfortável o que é confortável."
Albeih afirma que tem recebido centenas de comentários e reações sobre
seu recente trabalho.
"As pessoas me dizem: 'Como é triste esta imagem'. Se a imagem é triste, imagine a realidade. Muitas pessoas também perguntam o que podem fazer, como ajudar. Eu não sei. O que você pode fazer? É uma questão para cada um. Eu fiz a minha parte. O cara que filmou o vídeo de Omran fez o que podia, fez o filme. Acho que as pessoas devem entender o que podem fazer e fazê-lo", afirmou.